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segunda-feira, 8 de junho de 2009

A MÚSICA NO ENSINO SUPERIOR - HÉLDER MARTINS, UM MESTRE DESTA NOSSA CIÊNCIA MUSICAL


Neste "nosso" espaço têm passado várias individualidades Nacionais e Estrangeiras - mais Estrangeiras pois, por incrível que pareça é mais fácil comunicar rapidamente além-fronteiras.... para reflectir - mas, é a primeira vez que trago aqui a este espaço alguém que "respira" música por todo o lado. Pessoalmente, quando me dizem que às vezes pareço uma enciclopédia em termos musicais, reconheço que claramente gosto de o ouvir mas serei e sei bastante mas em algumas áreas específicas da música, nomeadamente a pop. Agora, é sempre importante perceber que podemos sempre saber mais e para isso temos que contactar com personalidades com as quais sentimos que o nosso saber aumenta com um simples e curto diálogo. O Hélder é um caso desses. Falamos a primeira vez quando estive no programa do Porto Canal e fomos mantendo o contacto. Ele é "responsável" pela minha recente vontade de concluir o que deixei a meio, os meus estudos superiores na área da Gestão mas, para de uma forma célere, poder especializar-me na música e quero igualmente ser Mestre em música. Como o Hélder diz, nunca é tarde. Ao fim de 20 anos dedicados aos meios técnico-financeiros, nomeadamente na banca privada, fica a lição que neste nicho abundam conceitos, patologias, convicções e acima de tudo personalidades e comportamentos altamente indexados a mecanismos de "taxa variável", quando nestas causas "mui nobres", sou apologista a 100% de instrumentos de "taxa fixa".

Findo este "desvio propositado", vamos então conhecer um pouco o trabalho do Hélder e algumas das opções que estão ao alcance de quem quer seguir um rumo nas artes e ciências da Música.


King_leer (KL)

Hélder,

Ao consultar o teu vasto curriculum reparo que és igualmente músico. No entanto, não é por aí que quero ir. Descreve-nos quais as tuas actividades principais no momento (podes acrescentar algum link se pretenderes).

Hélder Martins (HM)

Sim, tive uma modesta incursão pelos palcos! Tive o privilégio de tocar em vários projectos, da música Erudita ao Rock, passando pelo Jazz, Música Tradicional e Experimental… Toquei com Jorge Palma, Né Ladeiras, Nuno Guerreiro e a Orq.ª Filarmónica das Beiras, Pedro Jóia… mas as Ciências Musicais, a Musicologia, fizeram-me um apelo mais forte: desde a minha passagem pelo Conservatório de Música de Coimbra que decidi tentar enveredar pela investigação. É isso que tenho feito: depois do mestrado em Ciências Musicais na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (FLUC), onde apresentei uma tese acerca do Aparelho Governativo do Estado-Novo, as Políticas Culturais e o fenómeno do Jazz em Portugal (adaptado para livro e editado pela Almedina sob o título «Jazz em Portugal: 1920-1956») passei para o doutoramento em Etnomusicologia na Universidade de Aveiro. Actualmente, sou investigador do Instituto de Etnomusicologia – centro de estudos em música e dança e do Centro de Estudos de Jazz da Universidade de Aveiro. Sou bolseiro da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) do MCTES e docente da ESECD do IPGuarda das cadeiras de Musicologia e Etnomusicologia, orientador de projectos e estágios. Para além disso, uma vez que as minhas áreas de maior interesse são os estudos políticos e culturais, desenvolvi um modelo de estudo e de planeamento para o Desenvolvimento Sustentável. Tenho também reflectido acerca da Ecocracia e de uma nova concepção de organização social. Neste momento, estou a preparar com outro ideólogo da Ecocracia – o Alberto Modroño Freire (da Catalunha) – um projecto de divulgação da Ecocracia.

(KL)

A música como uma Ciência. Muitas pessoas não a encaram assim. Pelo menos numa primeira aproximação. Dá uma ajuda à nossa causa e explica-nos um pouco quais as opções que hoje em dia um aspirante a estudante desta Ciência pode escolher?

(HM)

Não tenho muita paciência para discutir este assunto… Acima de tudo porque essa «visão» que dizes existir e que eu também reconheço existir não é mais do que a revelação de uma profunda ignorância. Não se trata de «visão», trata-se de factos. Não é preciso, para provar a importância da Música ou o seu valor, dizer que a Música é um Ciência. Depois, em vez de falarmos de «Música» deveríamos falar de «Músicas» porque a música não é uma Linguagem Universal mas sim um Comportamento Expressivo Universal. Por partes:

A Música é arte e ciência (julgo que qualquer enciclopédia começa a definição de Música desta forma). Quando falamos de Música falamos de um comportamento expressivo profundamente humano e cuja origem se desconhece. O primeiro documento conhecido até hoje que aborda de forma especulativa a Arte dos Sons (à qual nós chamamos Música) data do Quarto Milénio antes de Cristo e foi encontrado na actual região do Irão. A abordagem científica da Divina Arte (a Música) começa a ter maior expressão nas Antigas Civilizações Avançadas. Porém, é com Pitágoras (séc. V a.C., aprox.) que se desenvolvem os primeiros estudos científicos em Música e que estão na base do Universo Sónico e da construção das Escalas Ocidentais. Estas Escalas Ocidentais, ou o Cromatismo das Escalas Ocidentais difere de outros sistemas musicais onde existe um diferente número de notas na «escala» (Índia, Extremo Oriente, África Ocidental…): nós temos 12 notas (dentro de uma Oitava: dó a dó) na Índia há sistemas que possuem o dobro e ainda se podem subdividir, outros sistemas são mais «curtos». Ou seja, enquanto no Ocidente um ouvido não treinado conseguirá aperceber-se de intervalos acústicos melódico e/ou harmónicos de ½ Tom, outras culturas poderão ouvir intervalos inferiores (1/4 e 1/8 de Tons, o que para nós poderá soar a… desafinação…). O Sistema Ocidental deve-se, portanto, aos primeiros estudos de Pitágoras e dos seus discípulos da Escola Pitagórica (onde se estudavam quatro ciências: Aritmética, Música, Astronomia e Geometria: segundo Pitágoras, as 4 ciências que promoveriam a elevação e a purificação do espírito humano). Através dos documentos encontrados na Grécia Antiga é possível perceber a importância da Divina Arte (a Música). Aliás, uma máxima política da altura dizia: “ deixai-me compor os hinos de uma Nação que a mim pouco importa quem fará as suas leis”. Esta máxima referia-se ao poder educativo da Música. A Música era a linguagem dos Deuses, aliás, no Antigo Testamento existem muitas passagens que nos referem os «poderes» atribuídos à Música e a sua criação divina (comum a outras correntes religiosas). Os escritos de outros filósofos, Platão ou Aristóteles, também abordam as questões relacionadas com a Música.

Portanto, a partir de Pitágoras a actividade científica relacionada com a Música passa a ser algo diferente da actividade artística. Esta tradição foi seguida pelos musicólogos do Cristianismo…

Ao contrário do que pode parecer, em Portugal existe tradição musicológica (científica, portanto) a Escola de Santa Cruz de Coimbra, que deu origem aos Estudos Gerais – antes da Universidade – já possuía estudos em Música. Compreende-se, uma vez que a Música era a linguagem de Deus.

As Ciências Musicais possuem várias áreas de estudo, actividade/produção: Teoria e Análise, Acústica, Organologia, Musicologia Histórica, Etnomusicologia, Electroacústica… Para os interessados, existem cursos de Musicologia/Ciências Musicais nas Universidades de Aveiro, na Nova de Lisboa e na de Évora. Para se seguir qualquer curso superior de Música é necessário passar nos exames (pré-requisitos) e só depois proceder à candidatura. Para passar nesta primeira prova é necessário ter conhecimentos que se situarão entre o 5.º e o 8.º Grau (ano) dos Cursos do Conservatório.

(KL)

Em conversa antiga com o Simon Warner, docente da Universidade de Leeds, ele comentou que alguns artistas tinham passado pelas suas aulas de estudos musicais o que os fez (segundo os próprios) tornarem-se ainda melhores músicos. Tens casos destes? Músicos mais conhecidos que tenham tido uma carreira académica?

(HM)

Alunos meus não… sou professor no curso de Animação Sociocultural da ESECD da Guarda, mas conheço alguns: O Luís Figueiredo (investigador, doutorando e pianista de Jazz), o Júlio Resende (investigador e pianista de Jazz), Ricardo Pinheiro (guitarrista de Jazz e primeiro Doutor em Etnomusicologia – Estudos em Jazz), António Pinho Vargas (pianista, compositor, professor do ensino superior, investigador e doutorando do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra) e muitos outros ligados à Música Erudita («Clássica»). Nas Universidades Portuguesas estão professores de instrumento, também eles instrumentistas, que desenvolvem investigação em várias áreas.

(KL)

Agora, a um nível mais pessoal. Quais as tuas preferências musicais? Sei que o Jazz tem uma grande importância para ti…

(HM)

Sim, o Jazz é importante para mim uma vez que decidi estudar o Estado-Novo e as suas políticas culturais tendo com caso de estudo o fenómeno do Jazz em Portugal. Gosto também de World Music, Pop-Rock Alternativo… a música de dança não me atrai.

Mas… a Música Erudita é a «minha» Música.

(KL)

Quais as grande lutas para quem é docente hoje em dia e, nomeadamente, na tua área?

(HM)

Bem, julgo que depende do ciclo de ensino em que se está. No ensino superior, na minha opinião, seria conveniente rever o Estatuto de Bolseiro de investigação científica, actualizar o valor das Bolsas, criar, verdadeiramente, a carreira de investigador.

(KL)

Para terminar, aqui no blog faço muitas vezes um trabalho tipo “CSI”, onde procuro descobrir o que determinada música/letra esconde. A maioria das vezes com a ajuda dos próprios músicos. Se calhar uma disciplina a explorar, não? Indica uma música que mais te tenha influenciado, seja pela melodia ou pela sua história (letra). Se puderes partilhar connosco o porquê, óptimo.

(HM)

A Semiótica é fantástica. Não houve só uma música mas várias, do Tradicional ao Erudito. Contudo, as obras que mais me tocaram foram as da Música Erudita, das várias épocas. A ópera Orfeu de Monteverdi, na interpretação de Jordi Savall (ver video player); Stabat Mater de Pergolesi, na interpretação de Cristophe Rousset; o Requiem, a Flauta Mágica, a D. Giovanni, as Sinfonias de Mozart… Bach: o grande mestre; Beethoven… Sibelius, Mahler… e os portugueses Carlos Seixas, Domingos Bomtempo, Marcos Portugal, Luís de Freitas Branco, Joly Braga Santos, Jorge Peixinho, Emanuel Nunes, Eurico Carrapatoso, João Pedro Oliveira… não sei. De todos eles gosto de algo, se não for de tudo em alguns…


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FIM

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